Medicalização escolar: um mercado em expansão?

Imagem retirada do google, créditos não encontrados.

Beatriz Caroline Aparecida Rodrigues
Universidade Federal de São Carlos

Palavras-chave: Medicalização, Educação, Ritalina, Crianças, Escolar.

          Introdução
Nas últimas décadas o aumento na prescrição de medicamentos para crianças e adolescentes aumentou muito, principalmente a prescrição de metilfenidato, popularmente conhecido como Ritalina. No Brasil em 2006 foi fabricado 226 kg de metilfenidato e importado outros 91 kg (ONU, 2008), um número muito elevado e que nos leva a refletir se o uso desse ou de qualquer outro medicamento é realmente necessário em todos os casos ou vem acontecendo por que se tornou um mercado de interesse para as indústrias farmacêuticas. 
Podemos observar dois pontos interessantes que se cruzam com o aumento de diagnósticos de distúrbios ligados ao fracasso escolar, o primeiro é a obrigatoriedade de se frequentar a escola, com isso uma grande diversidade de alunos passou a frequentar a escola e essa mesma diversidade pode estar sendo interpretada como distúrbio. O segundo é a realidade social em que vivemos hoje, vivemos cada vez mais em ambientes pequenos e fechados, uma criança não tem espaço para brincar e consequentemente o espaço onde vai liberar todo a energia motora é na escola.
Nosso modelo de escola autoritário, de um local de disciplina onde o aluno irá permanecer sentando e o professor posicionado na frente da sala como detentor do saber, não é um modelo de escola que se adeque aos alunos que recebe. Professores formados para esse modelo de escola tem dificuldade de lidar com as crianças e jovens desta geração, e não sabendo lidar com a chamada “indisciplina” fazem pré - diagnósticos e sugerem a família que a criança ou adolescente seja levada a um especialista, este sem analisar com a atenção devida confia no julgamento do professor e assim a diversidade dos alunos e os comportamentos comuns das crianças acaba sendo considerados distúrbios.

Fracasso Escolar
A questão do fracasso escolar é um dos problemas que mais atinge a educação. Crianças e adolescentes que não conseguem seguir o ritmo do resto da turma e aprender o que é considerado no atual sistema de ensino necessário são consideradas problemas.
Muitos são os fatores que podemos considerar para explicar o fracasso escolar, mas o que te se tem visto nos últimos anos é explicações de origens biológicas, onde acarreta culpa unicamente ao aluno por suas dificuldades.
Dessas explicações com origens biológicas uma grande vertente da não aprendizagem são as disfunções neurológicas. Entre essas disfunções o distúrbio que mais tem destaque é o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) que segundo o DSM-IV (1994),
é um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade, mais frequente e severo do que aquele tipicamente observado em indivíduos em nível equivalente de desenvolvimento (...). Pode manifestar-se por inquietação ou remexer-se na cadeira, por não permanecer sentado quando deveria, por dificuldade em brincar ou ficar em silêncio em atividades de lazer, por frequentemente parecer estar "a todo vapor" ou "cheio de gás" ou por falar em excesso”.

Mas existe muitos outros fatores que devem ser levados em questão para entender o fracasso escolar, principalmente a combinação: Família, escola e sociedade.
O fracasso escolar não é causado por um desses pontos de forma isolada, não podemos culpar a família, a escola ou a sociedade, o fracasso escolar é gerado por uma combinação dos três pontos. A estrutura de uma família está extremamente ligada com a sociedade que vivemos e na escola vemos o reflexo da sociedade e do que a criança e o adolescente aprende na casa.
Vivemos em uma sociedade que o conhecimento se tornou importante por que é uma fonte que vai trazer dinheiro. As escolas são moldadas para enviar alunos para o mercado de trabalho e com isso não a espaço para o individual de cada aluno. O conhecimento se transformou em mercadoria, consequentemente ser diferente em adquirir ele também.

O que é medicalização escolar?
Medicalizar segundo Moysés (2010): “definir em termos médicos, problemas sociais e buscar sua origem na biologia.” Por essa vertente podemos entender a medicalização não apenas como o ato de prescrever medicação, mas sim de tornar o indivíduo um objeto.
Por essa vertente a medicalização é muito conveniente para uma sociedade que tem como interesse normalizar. O número de crianças e adolescentes diagnosticados com TDAH e outros distúrbios vem crescendo muito, e se tornado um número preocupante que nos leva a pensar se esses diagnósticos estão sendo feitos com precisão ou se está ocorrendo um descompromisso.
Este descompromisso com a precisão do laudo não se dá apenas pela dificuldade de se identificar o distúrbio, mas também por interesses da indústria farmacêutica em amplificar o número de pacientes dependentes de medicamentos como a ritalina.

Principais Distúrbios: Dislexia e TDAH
Os dois distúrbios mais conhecidos relacionados a aprendizagem são a Dislexia e o TDAH.
A dislexia é a dificuldade na leitura e na escrita e em alguns casos a dificuldade em identificar direita ou esquerdar, realizar problemas matemáticos e percepção de dimensões (distâncias, espaços, tamanhos, valores).
O TDAH (Transtorno de Défict de Atenção e Hiperatividade) é uma síndrome caracterizada pelos seguintes sintomas: dificuldade em prestar atenção, se concentrar, ficar quieto, sentado, controlar a ansiedade, não terminar as atividades entre outros importantes aspectos.
Ambos os distúrbios estão extremamente banalizados hoje em dia, muitos psicólogos, psiquiatras e neurologistas afirmam que os mesmos não existem. Essa vertente é bastante radical e alguns casos isolados mostram que os distúrbios existem sim, mas que a banalização no diagnóstico é grande.
É muito fácil diagnosticar um indivíduo com TDAH ou dislexia, muitos de nós nos comportamos como os sintomas descrevem em determinadas situações. Um bom diagnostico deve levar em consideração todos os fatores externos antes de diagnosticar uma criança ou adolescente como “possuidor” de um desses distúrbios.

Ritalina – “A droga da obediência”
A medicação mais usada nos diagnósticos de TDAH ou dislexia é o metilfenidato, conhecido mais por sua nome comercial, Ritalina, a famosa droga da obediência. Esta medicação é um estimulante parente da cocaína por estar na família das anfetaminas, que colabora com a melhora do desempenho escolar e estimula maior concentração na realização das tarefas.
O uso da Ritalina pode ter como consequência reações adversas no sistema nervoso central. Exemplos: psicose, alucinações, convulsões, sonolência, ansiedade e o famoso “efeito zumbi” na criança ou no adulto.
Outra questão a considerar no uso da Ritalina é o fato de que, segundo o Dr. Luiz Alberto Chaves de Oliveira, cerca de 30% a 50% dos jovens em tratamento por dependência química relataram já ter abusado de metilfenidato, pois os efeitos são semelhantes ao da cocaína, que também é estimulante.
Por estimular maior concentração e ter um preço acessível a Ritalina também se tornou de grande uso em concurso e vestibulares.

Reflexos da medicalização na educação
A medicalização na educação é um tema que abrange um campo de estudo muito recente, ainda não é possível identificar quais vão ser as consequências muito futuras na educação de tantos casos com diagnósticos de fatores biológicos para a não aprendizagem, porem algo que já é possível identificar é o reflexo na vida do aluno diagnosticado.
Um aluno diagnosticado com um distúrbio de não aprendizagem é automaticamente excluído. Os outros alunos e o próprio professor vai trata-lo de forma diferente, sempre pela visão de que se tal aluno tem distúrbio então não tem capacidade para realizar as mesmas atividades que outros alunos considerados “normais”. Essa atitude só faz com que o aluno se afaste mais do caminho da aprendizagem.

          Considerações Finais
Ao pensar a forma como os diagnósticos são feitos levantamos a questão de que qualquer um pode ter esses distúrbios pois se encaixa em uma das características, sendo assim aceitar essas formas de diagnósticos seria aceitar que uma sociedade toda precisa de medicamentos, uma sociedade toda precisa ser medicalizada, ou melhor dizendo normalizada.
Diagnosticar crianças e adolescentes com distúrbios como TDAH, dislexia e outros se tornou um interesse econômico, um mercado em expansão para as indústrias farmacêuticas e para os psiquiatras, por esta razão os diagnósticos são tão precoces, quanto mais diagnósticos, mas remédio consumido mais dinheiro para os interessados. Efeitos de sociedade capitalista que visa o lucro e não a consequência para conseguir o mesmo.
Por tudo que foi apontado, reconheço que os distúrbios existem sim, porem em número muito menor do que os atuais, a crianças e adolescentes que realmente precisam de medicamentos, mas esses casos são isolados, nada a não ser um interesse econômico justiça o número de diagnósticos existentes hoje.

Referências
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