Universidade
Federal de São Carlos
Palavras-chave: Saúde
mental. Professores. Educação. Sofrimento psíquico.
Introdução
O
trabalho é um fator de extrema importância para o processo de constituição do
ser humano. Ele está distante de ser um espaço neutro, pode ser um espaço
prazeroso e satisfatório ou desgastante e gerador de sofrimentos físicos e
psíquicos, a depender da relação do trabalhador com o meio social e a forma que
a situação do trabalho repercute em sua subjetividade. Para estudar a
subjetividade é necessário um olhar atento para a diversidade e singularidade
do sujeito, analisando seus comportamentos e atitudes, levando em consideração
fatores sociais, culturais e políticos nos quais esse sujeito está
inserido.
A
relação saúde, doença e trabalho está relacionada às mudanças ocorridas no
mundo do trabalho, como a reestruturação produtiva, a terceirização, as novas
tecnologias e a precarização das relações de trabalho, dentre outras. Dessa
forma, o trabalhador sente um clima de ameaça e instabilidade, fatos que podem
causar um prejuízo à sua saúde. No campo educacional, estudos apontam que
professores têm sofrimentos causados pelo trabalho, gerados pela
desvalorização, falta de diálogo entre gestão e responsáveis pelos alunos,
condições de trabalho precário (Carneiro,
2001, Codo; Sampaio; Hitomi, 1993). São questões que acorrem frequentemente e
que, por isso, são tratadas de forma banalizada e a responsabilidade recai,
muitas vezes, no professor, que adoece.
Não
há um acordo quando se relaciona trabalho e psiquismo e para entender essa
relação é necessário compreender que o desgaste ou o sofrimento psíquico está
diretamente ligado ao contexto laboral, a como esse sujeito se relaciona nesse
ambiente e a repercussão em sua subjetividade, que pode ou não levar a doenças
psíquicas e/ou psicossomática. Quando o ambiente de trabalho, no caso, a
escola, é um local com constantes desavenças, estressante, as chances de
desencadear uma doença psíquica são maiores. Corroborando com essa ideia:
“A escola, enquanto
organização do trabalho, é uma instituição fundamental para desencadear os
processos evolutivos das pessoas, atuando como propulsora ou inibidora do
crescimento psíquico, físico, intelectual e social de alunos e professores,
numa troca constante de saberes” (Dessen; Polonia, 2005).
A doença mental nas escolas
Atualmente as condições de trabalho do docente são
bastante precárias e se contradiz com a função que a escola possui, pois esta
Instituição tem como caráter promover e provocar reflexões sobre o mundo e suas
relações e encontrar formas de diálogo tendo como protagonista o professor.
Alguns estudos foram feitos acerca
da saúde do profissional da educação e alguns dados são relevantes para tentar
entender as causas de seu adoecimento. A intensificação do trabalho é uma das
queixas mais registradas pelos professores. Há vários mecanismos para que essa
intensificação aconteça, regulação, controle e prova por competências são
processos que acontecem dentro de indústrias e que adentram as escolas sem
considerar as particularidades dos princípios educativos.
Existe o pensamento de que a
educação sozinha precisa resolver todos os problemas sociais, com isso a
demanda dos professores aumenta e eles interiorizam uma responsabilidade pelos
alunos e pela escola. Com demandas cada vez mais complexas, que pode envolver
fatores sociais como família ou saúde, os docentes não se sentem preparados
para desempenhar um papel para os quais não foram contratados ou muitas vezes
por sua formação acadêmica não permitir. Com a implementação de políticas
recentes, o professor necessita desenvolver as novas competências para exercer
suas atividades, dele é esperado preparo e estímulo para atender todas as
demandas que chegam até a escola. A relação professor/pais é uma queixa
recorrente, de acordo com professores, os pais não valorizam o trabalho do
educador e têm menos tempo para acompanhar a vida escolar dos filhos.
Em uma pesquisa realizada, observou
uma professora que tinha uma aluna presente que estava doente e aguardavam a
comunicação com a família. A professora dividia-se em desenvolver sua aula e
tentar, com seu próprio aparelho celular, encontrar a família. Não havia
expectativas de levá-la diretamente da escola a um centro de saúde (Assunção,
2005). Esse é um caso que serve de exemplo da contradição da assistência global
à criança e a falta de recursos. Esse é um exemplo de como o professor tem que
estar preparado para a multiplicidade de eventos que podem ocorrer, incluindo a
saúde do aluno e que certamente terá a interrupção de sua atividade principal,
o professor precisa ter estratégias para não perder o controle total da turma.
Vários estudos concordam que fatores externos influenciam e perturbam a relação
professor/aluno/turma.
Outro mecanismo dessa intensificação
é o trabalho sob pressão temporal, o professor tem pouco tempo para
efetivamente ensinar devido a vários fatores e contratempos que acontece
durante uma aula. Com essa pressão com o tempo, o professor deixa sua saúde de
lado, não busca uma postura confortável ou abusa de seu aparelho vocal, por
exemplo. Além disso, essa pressão pode causar um afastamento da relação
professor/aluno, pois a atenção dispensada é superficial, isso dá ao professor
um sentimento de perda da qualidade do seu trabalho ou de que seu objetivo não
está sendo alcançado, causando distúrbios psicológicos.
A atividade do docente é
transformada diante dos fatos descritos, a carga horária do docente é
redobrada, tendo em vista que seu trabalho continua em casa com correções de
provas, elaboração de aula, além da necessidade de criar estratégias diante dos
problemas sociais que ele precisa resolver. Na pesquisa de Assunção (2005),
professores sugerem a presença de outros profissionais como psicólogos e
assistentes sociais, argumentam sobre a dificuldade de um único profissional
estar preparado para todas as demandas.
A superlotação da sala de aula é
outra razão que causa problemas para o professor, com um número excessivo de
alunos, ele não consegue olhar o aluno em sua individualidade, o que gera perda
qualitativa do trabalho pedagógico. Com os afastamentos médicos de professores
e outros que são remanejados para outras funções, o professor em exercício fica
sobrecarregado com alunos dos professores ausentes, segundo pesquisa realizada
por Silva (2007).
Para conseguir realizar ser
trabalho, o docente exige muito de seu físico e psíquico. Segundo pesquisa
realizada por Noronha, Assunção e Oliveira (2008), depois de muitas brigas que
as professoras separaram, chega um momento em que elas as ignoram, nesse
momento fica evidente que essas profissionais chegaram ao limite da exaustão,
limite este que mostra um adoecimento ou sofrimento. Apesar da falta de acordo
e pesquisas sobre a relação do sofrimento mental e psíquico com o trabalho, há
hipóteses de que a intensificação do trabalho e a grande solicitação em caráter
de urgência faz com que o professor, constantemente, ultrapasse seus próprios
limites, expondo-se a um adoecimento.
Assunção (2003) apontou em sua
pesquisa que os transtornos psíquicos ficaram em primeiro lugar
com 16% nos afastamentos de professores da rede municipal de Belo Horizonte,
seguido por distúrbios respiratórios, com 12%. Nesta pesquisa, foi quantificado
o número de professores que têm propensão a ter um transtorno psíquico e chegou
ao resultado de que 51% poderiam vir a ter esse quadro clínico. Em outros estudos realizados por Araújo
(2003) e Silvany-Neto (2000), na Bahia, também constataram um número elevado de
risco para desenvolver transtornos mentais. Na Austrália, Tuettmann (1991), em
sua pesquisa encontrou o risco para transtornos mentais em 44,6% dos
professores de ensino secundário. E em um estudo realizado em Hong Kong (Chan,
2003), mostrou que um terço dos profissionais da educação participantes da
pesquisa apresentou algum nível de estresse e síndrome de burnout.
Alguns fatores
aparecem com relevância entre as queixas dos professores: a relação com os
alunos, o docente tem sentimento de incapacidade para motivar ou controlar os
alunos; falta de apoio administrativo, percebem que o diretor tem pouca
consideração pelos problemas da sala de aula; relações debilitadas com os
colegas; pressão temporal; falta de reconhecimento com sua profissão;
insegurança financeira.
Considerações finais
Grandes mudanças aconteceram no
setor educacional nas últimas décadas, a universalização do ensino na rede
publica é um exemplo. Com o maior acesso, muitas são as demandas que chegam à
escola e que necessitam ser atendidas. Porém, a realidade escolar pública não
tem bases para atender às diversas situações, fazendo com que o professor seja
obrigado a intensificar e desviar seu trabalho, gerando perda de qualidade e
perda de identificação com aquele trabalho.
Observou-se
que os professores têm mais risco de sofrimento psíquico por diversas causas e
a prevalência de transtornos psíquicos menores é maior entre eles, quando
comparados a outros grupos. Diante de tantas queixas é compreensível
que os professores adoeçam, é necessário começar a se ter um cuidado com a
saúde dos professores, para que o ritmo e o ambiente escolar sejam saudáveis.
Apesar
das inúmeras frentes que se pode defender a fim de atenuar alguns sofrimentos
de professores, a queixa de sobrecarga desse profissional é algo que, de
imediato, precisa ser mudado. A fala dos próprios profissionais sugere que haja
um trabalho em equipe e que outros profissionais se envolvam no ambiente
escolar. Há um projeto de lei que foi aprovado pela Assémbleia Legislativa de
São Paulo que assegura atendimentos com psicólogos e assistentes sociais para
alunos da educação básica pública, o projeto de lei aguarda a sanção do
governador de São Paulo. Se for aprovada, a lei atenuará esta sobrecarga e
encaminhará as demandas à profissionais especializados, fazendo com que o
professor não desvie sua real função de educar.
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p. 1141-1182
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